"É com uma alegria tão profunda.
É uma tal aleluia.
Aleluia, grito eu, aleluia que se funde com o mais escuro uivo humano da dor de separação mas é grito de felicidade diabólica.
Porque ninguém me prende mais.
Continuo com capacidade de raciocínio —
já estudei matemática que é a loucura do raciocínio —
mas agora quero o plasma —
quero me alimentar diretamente da placenta.
Tenho um pouco de medo:
medo ainda de me entregar pois o próximo instante é o desconhecido.
O próximo instante é feito por mim?
ou se faz sozinho?
Fazemo-lo juntos com a respiração.
E com uma desenvoltura de toureiro na arena.
Eu te digo:
estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já que de tão fugidio não é mais porque agora tornou-se um novo instante-já que também não é mais.
Cada coisa tem um instante em que ela é.
Quero apossar-me do é da coisa.
Esses instantes que decorrem no ar que respiro:
em fogos de artifício eles espocam mudos no espaço.
Quero possuir os átomos do tempo.
E quero capturar o presente que pela sua própria natureza me é interdito:
o presente me foge,
a atualidade me escapa,
a atualidade sou eu sempre no já.
Só no ato do amor —
pela límpida abstração de estrela do que se sente —
capta-se a incógnita do instante que é duramente cristalina e vibrante no ar e a vida é esse instante incontável, maior que o acontecimento em si:
no amor o instante de impessoal jóia refulge no ar,
glória estranha de corpo,
matéria sensibilizada pelo arrepio dos instantes —
e o que se sente é ao mesmo tempo que imaterial tão objetivo que acontece como fora do corpo,
faiscante no alto,
alegria, alegria é matéria de tempo e é por excelência o instante.
E no instante está o é dele mesmo.
Quero captar o meu é.
E canto aleluia para o ar assim como faz o pássaro.
E meu canto é de ninguém.
Mas não há paixão sofrida em dor e amor a que não se siga uma aleluia.
Meu tema é o instante?
meu tema de vida.
Procuro estar a par dele,
divido-me milhares de vezes em tantas vezes quanto os instantes que decorrem,
fragmentária que sou e precários os momentos —
só me comprometo com vida que nasça com o tempo e com ele cresça:
só no tempo há espaço para mim.
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