
Igreja
Universal: “Aprendi a extorquir o povo”, diz ex-pastor para a Revista Época.
Confira a matéria completa! A casa no bairro de Cascadura, Rio de Janeiro, onde
Gustavo Alves da Rocha passou a infância ficava a cerca de 1 quilômetro de
distância do local onde foi erguido o primeiro templo da Igreja Universal do
Reino de Deus, há
32 anos. A vida de Gustavo e a de Edir Macedo, o líder da Universal, só se
entrelaçaram, porém, quando os dois cruzaram o Oceano Atlântico. Em 1996,
Gustavo, aos 16 anos, morava com sua tia em Londres. O bispo Macedo acabara de
abrir sua primeira igreja na Inglaterra e precisava de um tecladista que
animasse as reuniões dominicais. O tempo livre e o talento musical de Gustavo se
encontraram com as ambições do bispo Macedo no número 232 da Seven Sisters Road,
no bairro londrino de Finsbury Park. Era lá que ficava a primeira igreja da
Universal em Londres, onde Gustavo foi empregado como tecladista. Três anos
depois, Gustavo se tornou pastor da Universal em Nova York. Ele diz que era
responsável por contar e fazer o depósito do dízimo recolhido nos 26 templos da
Universal em Nova York. Diz ter sido instruído a se casar com a empregada
doméstica do bispo Macedo, Jacira Aparecida da Silva, e conta que se mudou para
a casa de Macedo, nos Estados Unidos, onde morou por quase três anos. Da sala da
luxuosa casa do bispo, Gustavo afirma que assistia a Macedo orquestrar por rádio
a expansão dos templos da igreja e dos negócios de comunicação, hoje alvos de
investigação pelo Ministério Público. Gustavo diz ter ouvido o bispo Macedo
instruir seus bispos a trocar dólares para ele em São Paulo, diz ter depositado
dinheiro do dízimo em duas contas no exterior, uma delas em nome de um pastor
americano amigo de Macedo, conhecido como Forrest Hills, e afirma que o dinheiro
dos fiéis era usado para investimentos na TV Record. “Em 2003, fizemos com os
fiéis de Nova York uma campanha para arrecadar US$ 1 milhão. Foi com esse
dinheiro que a Record montou o estúdio em Manhattan”, diz. As ligações de
Gustavo com a igreja são comprovadas por documentos como passaporte,
contracheques e fotos. A TV Record negou as acusações. Em 2004, Gustavo foi
demitido pelo bispo Macedo. Hoje, ele é considerado pelos promotores uma
testemunha importante nos processos abertos contra o fundador da Universal. Seu
depoimento poderá contribuir para confirmar as suspeitas de estelionato, lavagem
de dinheiro e formação de quadrilha que recaem sobre o bispo Macedo e a cúpula
da igreja e da Rede Record. Gustavo hoje trabalha de madrugada como taxista em
Balneário Camboriú, Santa Catarina. Mora numa casa de quatro cômodos, alugada,
que não guarda nenhuma semelhança com o luxo e o conforto que Gustavo diz ter
experimentado em Nova York. Não tem mais o dinheiro que juntou enquanto era
pastor. Desde que voltou ao Brasil, já morou em mais de cinco cidades. Aos 29
anos, diz ter dificuldade para arrumar emprego e afirma temer represálias de
membros da Universal. Ele contou a história que viveu na igreja num depoimento
de cinco horas concedido a ÉPOCA. Procurada por ÉPOCA, a Igreja Universal
confirmou que Gustavo foi pastor da igreja, “desligado da obra por motivos de
prática de conduta contrária aos bons costumes e à moral”. Disse que “a Igreja
Universal, seus bispos e pastores fazem tudo dentro da maior legalidade” e negou
que Gustavo tivesse sido instruído a se casar com uma mulher indicada pelo bispo
Macedo e que tivesse morado na mesma casa que ele. A Universal negou ainda que
Jacira Aparecida da Silva tivesse trabalhado como empregada doméstica para o
bispo Macedo. A TV Record afirmou, também por e-mail, que não faz nenhuma
transação com dinheiro oriundo da Universal: “Todos os salários dos funcionários
da Rede Record são pagos pela emissora em conta-corrente dos beneficiários e
todos os investimentos são pagos pela emissora com recursos próprios”. A seguir
os principais trechos do depoimento do ex-pastor Gustavo Rocha. Como conheceu o
bispo Edir Macedo “Eu nasci no Rio de Janeiro, mas quando tinha 12 anos fui
morar com uma tia em Londres. Uma tarde eu estava passeando com minha tia pelas
ruas de Finsbury Park e vi um teatro. Resolvemos entrar. Na porta estava escrito
apenas Teatro Arco-Íris. Aí eu vi um piano e, como sempre tive paixão pela
música, pedi para tocar um pouco. Quem veio até mim foi o Edir Macedo. Ele me
pediu para que eu tocasse “Yesterday”, dos Beatles. Ele elogiou e me perguntou:
‘Você sabe tocar música gospel?’. Eu respondi que não, mas consegui acompanhar
no piano quando ele colocou umas músicas gospel para tocar no rádio. Ele disse
que precisavam de um tecladista e eu, que tinha 16 anos, aceitei tocar todos os
domingos em troca de algo em torno de R$ 50. Depois de uns quatro meses, minha
tia procurou Edir Macedo para dizer que eu voltaria ao Brasil. Daí Edir veio com
uma proposta: ‘Não, a gente vai ajudá-lo. Se você permitir, nós queremos
investir nele. A igreja se propõe a pagar uma escola para ele aqui na
Inglaterra’. A igreja pagou para mim por dois anos uma escola de idiomas, a
London Capital College. Eu passei a morar na igreja e não tinha salário.” A
preparação para ser pastor “Quando fui morar na igreja, eu dividia um quarto com
outros obreiros. Passei a tocar todos os dias, fazia a limpeza do templo, a
evangelização, distribuía jornal da igreja de porta em porta. Eu não tinha
dinheiro para ligar para minha família no Brasil, nem no Natal. Fiquei
praticamente confinado. Minha tia deixou de me visitar, achou que eu estava
fanático. Eles fizeram comigo um processo de preparação para ser um futuro
pastor. Quando chegava alguém à igreja para pedir um conselho, o bispo Macedo me
chamava: ‘Senta aqui do meu lado para você conhecer os problemas do povo e
aprender a orientar as pessoas’. Foram dois anos sentado ao lado dele. Quando o
fiel ia embora, ele perguntava: ‘Entendeu? Essa moça está com problema
financeiro e está tão fragilizada que, se você disser Faça isso!, ela vai fazer.
Você tem de despertar essa fé que está nela para que ela venha e traga uma
oferta para a igreja’. Oferta significava dinheiro, mas no começo ele não falava
muito a palavra ‘dinheiro’, para não me assustar. Dependia dele para ter roupas
e comida. Aqueles que eram bispos tinham muito privilégio. Queria ter a vida que
o bispo Macedo e outros bispos tinham, então eu me submetia a tudo o que
mandavam. Cheguei a fazer um jejum e só beber água durante sete dias. Nesses
dois anos não fui sequer uma vez ao médico. O bispo Macedo me dizia que eu tinha
de usar minha fé para curar a gripe, a dor de cabeça. Fazia parte do processo de
sacrifício.” Como a Universal se expande “Eu e Edir Macedo saíamos pelo menos
duas vezes por semana para procurar um teatro, um galpão onde desse para abrir
uma nova igreja. A gente olhava primeiro a vizinhança. Se tivesse outra igreja
na região, não valia a pena investir. E olhávamos se o povo era pobre ou de
classe média. Se a área fosse pobre, era mais interessante, a igreja cresce
mais. O bispo Macedo dizia que gente pobre tem todo tipo de problema. Então, é
fácil ter argumento para atrair essas pessoas. Se fosse um pessoal com mais
dinheiro, ele já pensava duas ou três vezes se valia a pena investir, porque
apenas uma minoria frequentaria a igreja. Quando o bairro era de classe média, o
pastor tinha de falar bom inglês e ter cultura, porque colocar um pastor
escandaloso, ignorante, não dava certo. Em Londres, presenciei a criação de duas
igrejas. Uma foi em Brixton e a outra em Peckham. Os cultos eram em inglês, 2%
ou 3% dos fiéis da igreja eram brasileiros, 2% ou 3 % eram britânicos, e o
restante eram africanos e jamaicanos. Havia uma preferência por colocar um
pastor negro, para que os fiéis se identificassem mais.” A escala em Portugal e
a promoção “Depois de dois anos na Universal em Londres, meu visto de estudante
venceu e não conseguimos renovar. Eu já estava com 18 anos. O bispo Macedo
conversou comigo e disse que Deus estava me enviando para Portugal. Fiquei lá um
mês e meio, morando em Lisboa, até que o bispo Macedo me avisou que ele iria me
registrar como pastor da Universal e em 15 dias eu estaria em Nova York. Ele
disse que não me deixaria em Portugal porque ele precisava de um pastor com bom
inglês nos Estados Unidos. No dia 13 de maio de 1999, eu cheguei a Nova York. Eu
passei a tocar piano na igreja principal, no Brooklyn. Depois de uns 15 dias, o
bispo Macedo chegou a Nova York e me disse que eu não deveria ficar só tocando,
passaria a pregar. Foi a primeira vez em que fui responsável por uma igreja, a
igreja de Utica, no Brooklyn. E, como eu era um pastor registrado pela
Universal, passei a ter um salário. Ganhava US$ 600 brutos por mês. Era pouco,
mas não tinha despesa com água, luz, aluguel porque eu morava na igreja.” As
metas e o método de arrecadação “Em Utica, em dois meses, a igreja encheu.
Cabiam 70 pessoas. O bispo Macedo achou que tinha valido a pena investir em mim.
Comecei a fazer programas de TV e de rádio para a igreja e a participar das
reuniões de pastores e bispos. Nessas reuniões, Edir Macedo nos ensinava a
atingir as metas que ele criava para cada igreja. E a meta era financeira. Não
era de fiéis. No primeiro mês, a minha igreja rendeu US$ 3 mil. Daí o bispo
Macedo me falou: ‘Olha, Gustavo, este mês fez US$ 3 mil. Então, se no mês que
vem você conseguir arrecadar só US$ 2.900, eu tiro a igreja de você. Você vai se
virar para fazer US$ 3.500, senão eu vou descontar do seu salário, você não vai
mais participar das reuniões e vai voltar para o piano’.” “Fiquei tranquilo
porque eu já tinha aprendido o trabalho. Ele me ensinou o seguinte: como era uma
igreja pequena, primeiro eu tinha de fazer um atendimento corpo a corpo,
conversar com cada um dos membros da igreja, visitar a casa, participar da vida.
Eu levantava toda a vida da pessoa e determinava o dízimo. E eu ia colocando
isso na cabeça das pessoas. Elas chegavam para me contar alguma coisa: ‘Pastor,
fui viajar e bati meu carro’. Eu dizia: ‘A senhora está sendo fiel no seu
dízimo?’. Ela dizia que não. Então eu falava que era por isso que ela tinha
batido o carro. Óbvio que não tinha nada a ver, mas era uma questão de mexer com
o psicológico, para que ela pensasse que as coisas ruins aconteciam por causa de
um erro dela, e não por um erro da igreja ou um erro de Deus. Eu tinha de fazer
aquela pessoa acreditar que o dízimo dela era uma coisa sagrada. Noventa e nove
por cento das pessoas que vão à igreja, e isso eu ouvi do bispo Macedo, não vão
para adorar a Deus. Vão para pedir, porque têm problemas no casamento, nas
finanças, de saúde. Então o bispo falava: ‘Você chega para a pessoa e diz: Você
está com problema financeiro, não está? Eu sei, eu estou vendo que sua vida
financeira não está boa’. É muito fácil. Por serem pessoas humildes, elas estão
mais propensas a certos problemas.” O sucesso “As minhas metas sempre eram
alcançadas. Edir me dizia: ‘Agora a meta é US$ 4 mil’, eu fazia 4 mil. ‘Agora é
US$ 5 mil’, eu fazia US$ 5 mil. E, a cada mês que eu alcançava minha meta, eu
ganhava mais crédito, até o ponto de o bispo Macedo falar: ‘Você não é pastor
para essa igreja, você é pastor para uma igreja melhor. Vou te colocar numa
igreja maior, onde a meta já não é US$ 5 mil, a meta é US$ 30 mil’. Fiquei seis
meses em Utica e fui para a igreja de Bedford. Vinham umas 400 pessoas, e a meta
mensal era de US$ 25 mil. Alcancei todas as metas outra vez. Peguei a igreja com
US$ 25 mil e deixei com quase US$ 40 mil de doações mensais. Aprendi a extorquir
o povo, tenho até vergonha de falar. Uma vez coloquei uma piscina de plástico no
altar por 15 dias, cheia de água. Disse que aquela era uma água do Rio Jordão,
onde Jesus foi batizado. Eu dizia que as pessoas iam ser batizadas na mesma água
que Jesus, desde que dessem uma oferta. E era água de torneira. Uma vez consegui
fazer os fiéis doar três carros. Eles iam embora e me deixavam as chaves e o
documento. A igreja vendia para fazer dinheiro. Entre os pastores, a conversa
sempre era: ‘E aí, já pegou o mês?’. ‘Pegar o mês’ significava cumprir a meta.
Eu chegava para um pastor que tinha uma igreja melhor que a minha e perguntava:
‘Já pegou o mês?’. ‘Já, fiz US$ 80 mil’, ele dizia. Eu respondia: ‘Olha, meu mês
está em US$ 50 mil, mas vou fazer uma loucura, vou passar o teu mês e vou pegar
tua igreja, hein?!’.” As gratificações “Quanto mais eu ganhava para a igreja,
mais privilégios eu tinha. O meu pior carro foi um Toyota Corolla, era o
primeiro carro de todo pastor. Do Corolla, passei para um Ford Focus,
zero-quilômetro. Do Focus, tive um Honda Civic, do ano. Do Civic, fui para um
Honda Accord. Nos Estados Unidos, morei em três casas diferentes. Conforme
cumpria a meta, as casas aumentavam de tamanho, melhoravam de localização. O
bispo Macedo pegava o relatório do mês, via a progressão de rendimentos e te
perguntava: ‘Você está morando onde? E vai para a igreja com que carro? Faz o
seguinte: fala com o bispo responsável para ele te mudar para tal casa’. Ele
olhava em uma relação de pastores os bens que cada um estava usando e dizia:
‘Esse carro aí que você tem, dê para o pastor Álvaro e pega o carro do pastor
Álvaro para você’. Era frequente essa troca de carros e casas entre os pastores.
Como a gente não podia comprar mobília nem bens, só coisas pessoais, roupas, a
mudança era bem rápida. Pastor não pode ter nada em seu nome, todos os carros
que eu tive e casas em que morei estavam no nome da Universal.” O casamento
arranjado “Em 2001, eu tinha 21 anos, era um pastor promissor e ainda era
solteiro. Namorava havia dois anos uma americana que era obreira da igreja.
Houve uma dessas reuniões de bispos e pastores e o Edir Macedo estava chamando a
atenção de todo mundo. Ele olhou para mim: ‘Fica de pé. Você está namorando?’.
Eu disse que sim. ‘Mas quem autorizou seu namoro? Está tudo errado. Você vai
pegar o meu celular e vai ligar para sua namorada. Você vai dizer para ela que
Deus não quer mais que vocês fiquem juntos.’ Eu fiquei indeciso, mas não teve
jeito. Peguei o telefone, liguei para minha namorada no viva-voz e rompi com
ela. Quando desliguei, ele disse para os pastores: ‘Estão vendo? A obra de Deus
precisa de homens assim. Por você ter obedecido, vai ser abençoado agora. Você
vai para o Brasil e vai conhecer uma mulher que Deus preparou para você. E você
vai casar com ela. Você é um pastor da minha confiança, mas nela eu confio ainda
mais do que em você, porque ela mora na minha casa, ela é minha empregada
doméstica’. Embarquei para o Brasil no dia seguinte. Só conheci a Jacira no
cartório. Dois dias depois, a gente casou no religioso. O bispo João Batista
(ex-deputado federal) fez o casamento e pagou a lua de mel em Poços de Caldas
(Minas Gerais). No dia em que partimos para a lua de mel, ele disse: ‘Gasta à
vontade, porque quem está pagando isso é o povo. Não tem limite, fica
tranquilo’.” “Depois que voltei da lua de mel, passamos 15 dias na casa do João
Batista, até que o visto da Jacira saísse. Era um apartamento por andar, com
oito quartos. O João Batista guardava uma boa quantidade de dinheiro no
escritório, notas de dólar e real. A Jacira me disse que estava acostumada a ver
aquilo na casa dos bispos. Quando voltei aos Estados Unidos levando a Jacira, o
bispo Macedo me disse: ‘Que bom que deu tudo certo. O visto dela já tinha sido
negado antes, mas você conseguiu trazê-la’. O casamento garantiu a entrada da
empregada doméstica dele nos Estados Unidos.” A vasectomia “Logo depois que eu
casei, o bispo Macedo me obrigou a fazer vasectomia. Ele justificava dizendo que
um filho traria despesas e dificuldades para que eu fizesse a obra de Deus, já
que com filho era mais difícil mudar de país. Ele dizia que a saída era, quando
eu me tornasse um bispo, adotar, seguir o exemplo dele, dos genros dele, Renato
Cardoso e Júlio Freitas. Os três primeiros médicos que procurei se recusaram a
me operar. Eu tinha 21 anos e nenhum filho. O quarto topou, mas me disse que não
recomendava. Fiz uma vasectomia irreversível. Enquanto eu estava nos Estados
Unidos, dos 26 pastores que trabalhavam em Nova York, outros sete também
fizeram. Se você não faz a vasectomia, perde a chance de crescer e chegar a
bispo, vai ser só mais um pastor que fica 15 anos na mesma igreja e não sai do
lugar.”
Na casa do bispo “Quando cheguei a Nova York com a Jacira, Edir Macedo e
a mulher dele, a Ester, quiseram que ela fosse morar com eles. Eu era casado com
ela. Daí eles me disseram: ‘Faz o seguinte. Pega um quarto aí e mora aqui com a
gente’. Passei a morar no dúplex do Edir Macedo. Na casa dele, ouvi as conversas
da cúpula da igreja. Era comum diálogos em que o bispo Macedo dizia: ‘Romualdo,
como é que foi a campanha da Fogueira Santa aí no Brasil?’. E o bispo Romualdo
Panceiro (outro dos auxiliares de confiança do bispo Macedo) dizia: ‘Olha,
bispo, não foi muito boa não, deu só R$ 18 milhões’. Dinheiro na casa de Edir
Macedo não era problema. Dirigia os carros dele, umas Mercedes antigas e
superluxuosas. No dia a dia, ele não é religioso. A mulher de Edir Macedo, a
Ester, tinha dentro de casa uma clínica de estética, com aparelhos de última
geração. Quanto se gastava na casa do bispo Macedo era uma coisa que nem se
fazia um cálculo, porque não precisava. Os outros bispos também viviam muito
bem. Como os pastores, eles também tinham um contracheque bem baixo, mas era só
fachada, para mostrar em caso de investigação. Mas o salário que vinha por fora
era muito maior. Eu já presenciei durante a contagem da oferta os bispos
dividirem o dinheiro entre si, esse ou aquele bispo tirar US$ 10 mil de uma
oferta de US$ 50 mil. Eu também ganhava coisa por fora. Quando trabalhei com
alguns bispos e a oferta era muito boa, o próprio bispo dizia para eu pegar um
dinheiro para mim. Quando saí da igreja, eu tinha uns US$ 15 mil na conta que eu
tinha tirado das doações dos fiéis.” Os negócios da Record “Eu posso dizer que a
Record e a Universal são uma coisa só. Era comum eu ouvir o bispo Macedo falando
em casa com o presidente da Record, Honorilton Gonçalves, pelo radinho: ‘Ô,
Gonçalves, você fez aquele depósito, contratou tal artista, tal jornalista?’.
Para pagar funcionários, despesas de programas televisivos, o Edir Macedo pedia
para o Romualdo Panceiro tirar o dinheiro da conta da igreja para passar para a
conta da Record. De tempos em tempos, o Gonçalves e o Romualdo diziam: ‘Edir, o
negócio aqui está complicado, o cerco está bem apertado. A investigação está
andando aqui, eles estão fiscalizando’. O Edir dizia: ‘Vocês têm de fazer alguma
coisa, tira o dinheiro da conta da igreja e faz a contratação em dinheiro vivo’.
Sempre em dinheiro vivo. Eu me lembro de quando foi montado o estúdio da Record
em Nova York, em 2003. O bispo Macedo diz que foi gasto US$ 1 milhão. Ele fez
uma reunião com os pastores da igreja e disse: ‘Precisamos levantar US$ 1
milhão. Vamos fazer uma campanha, e todas as igrejas precisam atingir uma meta’.
Daí, ele já dividiu ali quanto cada uma teria de obter. Era a campanha das
Muralhas de Jericó. Conseguimos mais de US$ 1 milhão, e foi com esse dinheiro
que comprou os equipamentos para a TV.” As contas no exterior “Todo domingo à
noite eu e alguns outros pastores éramos responsáveis por abrir os envelopes de
dízimo e oferta e contar o dinheiro arrecadado pelas 26 igrejas de Nova York.
Cada pastor guardava no cofre de sua igreja a oferta da segunda-feira até a
última reunião do domingo. Daí levava tudo até a sede, no Brooklyn, para a
contagem. Na segunda-feira de manhã, nós íamos ao banco fazer o depósito desse
valor. O banco era o Chase Manhattan Bank. A matriz ficava a 300 metros da
igreja. A quantia variava. Quando tinha uma campanha da Fogueira Santa de
Israel, eu depositava tranquilamente US$ 1 milhão nesse banco por semana. Os
depósitos eram feitos em duas contas. Uma no nome da Igreja Universal e a outra
no nome de Forrest Higginbotham, um pastor americano que todo mundo conhecia
como Forrest Hills. Ele pertencia a outra igreja, mas era uma pessoa de
confiança do Edir Macedo. Foi o Forrest Hills quem ajudou a Universal a entrar
nos Estados Unidos.” “Lá nos Estados Unidos, eu também ouvi o Edir Macedo
comentar umas quatro ou cinco vezes da necessidade de trocar dólares no Brasil,
em São Paulo. Mas era uma tarefa que ele mesmo fazia ou passava para gente de
muita confiança dele. Eles embarcavam no avião com o dinheiro e trocavam. Nunca
soube quem eram os doleiros, mas posso te falar que os bispos que faziam esse
serviço para ele eram os genros, o bispo Júlio Freitas, o bispo Renato Cardoso,
o bispo Clodomir Santos e o bispo Romualdo Panceiro. Toda vez que eu ouvia falar
em troca de dólar, era com esses bispos e o João Batista. O João Batista era com
a maior frequência. O João Batista era, na gíria, a mula. Era ele quem levava,
que trazia no avião, que fazia a transação, a troca. E, depois que ele fazia,
ele levava nas mãos do Romualdo, do Clodomir. E com esses mesmos bispos, de
altíssima confiança, o Edir costuma fazer umas reuniões na Suíça, em Zurique.” A
derrocada “Uns quatro meses depois de fazer a vasectomia, comecei a ter
problemas com a cirurgia. Descobri que o médico que me operou acabou cortando
uma veia que não deveria ter sido cortada. Tive uma espécie de trombose nos
testículos. Tive de usar um dreno e fui afastado pelo médico da pregação, mas o
bispo Macedo me mandava trabalhar mesmo assim, usar a fé para me curar. Tive de
fazer mais três cirurgias. O bispo Macedo dizia que eu devia estar endiabrado,
que eu estava recebendo salário da igreja para não fazer nada. A pressão para
que eu voltasse a trabalhar era tanta que tive de mostrar ao bispo Macedo todos
os papéis, exames, porque ele não acreditava que eu realmente estava doente.
Quando ele viu os laudos médicos, notou que tinha havido um erro. Foi logo me
dizendo que um processo daria uma indenização milionária.” “Procurei um
advogado, que me disse que era uma causa ganha e que o processo duraria um ano e
meio e deveria render por volta de US$ 500 mil. Quando o Edir soube que eu
procurei outro advogado e não o da igreja, ele ficou bravo. Disse que eu tinha
de procurar o advogado da Universal para abrir o processo e que deveria passar
uma procuração para ele, porque o dinheiro que viesse deveria ser dado para a
igreja, para a obra de Deus. Eu me recusei, disse que precisaria do dinheiro,
que teria de me tratar. E aí começou uma pressão, e eu resolvi desistir do
processo e fazer um acordo de US$ 65 mil com o médico. No mesmo dia em que
assinei o acordo, o dinheiro já estava na minha conta. Quando contei ao bispo
Macedo, ele começou a gritar comigo, dizer que eu era maluco, perguntou onde
estava o dinheiro. Eu disse que estava na minha conta. Ele me mandou ir ao banco
na mesma hora, sacar o dinheiro e depositar na conta da igreja. Eu me recusei. E
aí ele me disse que eu estava fora: ‘A partir de hoje, você não é mais pastor da
Igreja Universal. Você vai embora para o Brasil e não procure mais a igreja’.
Isso foi em julho de 2004. E eu, doente, com quatro cirurgias feitas, fui
mandado embora sem receber um dólar da igreja, depois de cinco anos de trabalho
na igreja. Nunca tive férias, não tinha dia de folga certo. Eu me senti usado.”
“Voltei para o Brasil, me separei da Jacira um ano depois. Eu sofri por ter
entrado na igreja muito jovem, abandonei a família, não terminei os estudos. Eu
não tinha amigos que não fossem pastores ou bispos, não sabia o que era lutar
por um emprego, não sabia quanto era um aluguel. Perdi tudo. Eu sempre me lembro
da frase que o bispo Macedo costumava me falar: ‘Se você sair da igreja um dia,
todos esses demônios que você expulsou nestes anos vão voltar para sua vida’.”
Gustavo Rocha fez parte da igreja por oito anos, cinco deles como pastor. http://

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